Morte

Criança pensa sobre a morte

O que acontece depois da morte?  
Uma garota de cinco anos me explicou assim : - "quando a gente morre pela primeira vez a gente vai para o céu vermelho . Depois quando a gente morre de novo vai para o céu laranja; depois  vai para o céu amarelo ; depois para o céu verde ; depois para o azul claro ; depois para o azul escuro. Apenas quando chegamos no céu roxo é que não morremos mais  porque ali está Deus ."



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ONDE SE ESCONDE O MEDO DA MORTE?

Como tenho observado, a morte é um tema para as crianças, principalmente após 4 anos de idade. Hoje atendi uma criança com 8 anos  de idade, queixando-se de dores de cabeça há mais de 3 semanas, que não aparece enquanto ela dorme, nem vem com outros sintomas adjacentes como catarro, febre, vômitos. Ela trouxe uma tomografia cerebral pedida por uma neurologista que estava normal. No momento, sua vida está razoavelmente tranquila. Disse a mim que não costuma falar o que sente. Tenho a dica da leitura corporal que indica que a cefaléia se relaciona com  o controle de emoções. Esse é um garoto de padrão obsessivo, bastante controlado e contido. Já teve, aos 5 anos, sintomas obsessivos compulsivos( t.o.c ) tratados em “off- sina terapêutica”( trabalho que criei de ludoterapia com orientação da psicanálise, com pequeno grupo de crianças e outros profissionais). Desconfiei que o tema da morte pudesse estar por trás do sintoma cefaléia. Fiquei a sós com ele e lhe pedi que contasse um sonho e ele, com dificuldades contou: _"ALGUÉM QUERIA MATAR MEU PAI E MINHA MÃE  E  EU TIVE QUE IMPLORAR PARA ELE QUE NÃO MATASSE. DIZIA:_ POR FAVOR, POR FAVOR, POR FAVOR!!!"


A PARTIR DE 7 ANOS,  A CONSCIÊNCIA AMADURECE, TORNANDO MAIS CLARA A FORÇA DO REAL . Este garoto, por exemplo, entendeu - e se entristeceu com a não existência do papai Noel. Teve o "insight" da morte, que se  impôs como um fato possível. Daí veio  uma enorme angústia, que nem sempre pode ser mencionada, como o medo da morte dos pais. Uma saída é tentar esquecê-la, sem conseguir , é claro. No sonho, onde nosso controle desaparece, aparece o medo real. O sintoma cefaléia sinaliza aqui, a tentativa de controlar este sentimento que teima em  ficar. 


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BRINCANDO COM A MORTE
Numa off-sina, eu brincava com um garoto de 7 anos que pediu que eu fosse a morte e  que iria me matar. Aceitei o desafio e ele começou a lutar comigo fortemente, me batendo com a espada. (Curiosamente, era uma criança que não sabia se defender com os amigos e suportava várias agressões. )  De repente, eu digo: _" Oh, mas a morte não morre nunca!! Você não será capaz de matar a morte, nem ninguém conseguirá". Imediatamente ele sugere: _"ENTÃO VOCÊ   ESTÁ CONGELADA!!!!" Aceitei... fazer o quê, né??!!!!! Fiquei uns  3  minutos congelada como estátua.

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QUEM MORRE, VAI PRÁ ONDE??
Quero contar mais uma conversa sobre a morte, que tive com uma criança de 4 anos. Ela pediu para ir consultar porque estava tendo muito medo, principalmente de cachorro. Isto havia começado há pouco. Eu, desconfiada de  que o medo de cachorro recobria outro medo maior e que não era facilmente dizível como medo da morte, perguntei à mãe se ela havia tido  alguma experiência de perda de cachorros. A mãe conta de 3 cachorros que morreram no ano passado, dos avós.
Aí, ela começa a elaborar o que se passa na morte, dizendo que os cães foram para o céu do Deus. Eu então lhe perguntei se ela achava que Deus morava era no céu e se ele não poderia ser uma força que também morava dentro da gente, ao que ela responde:_ "Não é lá no céu que ele mora? " 
_"Não sei... Eu achava que ele vivia dentro de nós, na árvore, na flor, no bicho."
_"Então ele não é gente? Eu acho que ele é gente sim." E continua:
_" Então você está dizendo que ele é sangue?"
Fui examiná-la e a conversa continuou:
Falei :_ "E tudo morre, só que é quando chega a hora. Geralmente precisa de estar bem velhinho ou doente. Se for fruta, tem que estar bem madura."
_ "Minha avó pode morrer?"
_"Poder pode, mas acho que ela está com saúde e nem é velhinha."
_ "Ah, mas ela pinta cabelo."
_"Sabia que todo mundo também tem medo?"
_"Minha mãe tem medo de minhoca."
 _"E eu , quando criança- disse 'a ela-,tinha medo de uma mulher que ficava louca de vez em quando na cidade que eu morava. Quando ela ficava daquele jeito maluco, ela conseguia levantar um carro, conseguia até quebrar a antena dele com a mão. Eu tremia de medo dela e a minha prima, não tinha medo nenhum. Deixava até que ela a carregasse no colo.
E seu pai? Ele tem medo de quê?", continuei a conversa.
_ "De nada."
_"Então ele é forte. Pode até te proteger".
_"É, mas ele não consegue carregar um carro."

Eu sinto que as crianças sabem exatamente da realidade das coisas, mesmo que não tenham palavras para descrevê-las. Não adianta o adulto vir com consolos falseados, porque ela desmonta todos os argumentos e acaba permanecendo com a MORTE, crua e nua.

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CEFALÉIAS E SEUS CONFLITOS OCULTOS
Continua o tema interminável e constante na pediatria- o encontro com a morte. Hoje atendi uma menina de 7 anos de idade, com queixa de há mais ou menos seis meses de dor de cabeça, tipicamente tensional e que não acontece no meio da noite, mas acontece principalmente no momento em que está na escola. Sua mãe tem muitas crises de enxaqueca e seu avô também.
Ela vem tendo vários pesadelos:
"Meu pai cai numa poça de lava e morre, dormindo para sempre, num lugar cheio de pedras e ele, cheio de sangue".
Em outro pesadelo, soltam fogos de artifício ( achei interessante essa palavra ARTIFÍCIO, o que deixa de ser natural ), e caem na mãe, na avó. Todos morrem e sobra ela e a babá que não sabia cuidar dela, só sabia cuidar de seu irmão menor.
Depois ela diz que em outro pesadelo, reunia todos os seus pesadelos. “Eram vários lugares de pedra e em cada um, acontecia um de meus pesadelos, tendo até morte de mim
Disse à ela então,  que com 7 anos a gente já sabe que a morte existe e faz parte da vida, mas a gente não quer sentir isto... a gente não quer que isto seja verdade. Aí ela diz: _ "Mas, eu já sabia da morte desde que tinha 4 anos. Mas a gente tava falando era mesmo da dor de cabeça???"
Esta criança vive um impasse tremendo com a separação dos pais, que agora moram em cidades diferentes e sua mãe, por diversos motivos, não permite que ela vá sozinha até a cidade do pai. Ela diz: _ "Minha mãe acha que meu pai não tem responsabilidade prá cuidar de mim, mas eu gosto de ficar com ele até mais, porque é muito divertido. Eu queria mesmo é que ele morasse na mesma cidade que eu, mesmo sendo separados. Ficar brava as vezes eu fico, mas não com meu pai porque eu gosto dele e ele é meu pai. Depois ele me explica tudo direitinho e eu entendo."
Engulir a realidade não é tarefa simples. Fazer sintomas com a realidade  é pedido de ajuda... Não está certo uma criança seguir tendo dores de cabeça tensionais. Precisamos "destensionar ", na medida do possível , para ela. Segundo a leitura corporal, cefaléia tem a ver com não querer sentir o que se sente, tem a ver com a perda da espontaneidade, com controle de emoções. É muito comum nesta idade, porque vamos perdendo a espontaneidade e a formalidade vai sendo desenvolvida, junto com nossa capacidade de antecipar um pouco as reações do outro. Esta criança vive um conflito enorme, ficando sem saída diante dos impasses dos pais. Neste caso em especial, percebo que a criança fica muito dividida entre a fala e a postura da mãe em relação ao pai e aquilo que ela verdadeiramente sente.


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MEDOS EM SONHOS

Estive hoje também com um garoto de 8 anos que me contou 2 sonhos. Em ambos , ele vive situações onde encontra com seus medos- tubarão e ladrão. Morre nos 2 sonhos.
Eu lhe disse que ele foi muito corajoso. Olhou estupefato para mim e perguntou o porquê de minha fala. Respondi:  _"Você teve coragem para morrer nos sonhos. Muitos de nós acordamos antes de morrer."
Este mesmo menino me contou que não joga o manicraft ( jogo eletrônico atual, muito cobiçado pelas crianças), porque senão ele não consegue parar de jogar. Diz que o jogo vicia e prende as pessoas. Um tempo depois - ele diz: _ "Sabia que minha mãe não conseguiu parar de fumar???

NESTA IDADE, O MEDO E O CONTATO COM A REALIDADE - COM A EXISTÊNCIA DA MORTE - BATE À PORTA. É UM SINAL DO AMADURECIMENTO PSÍQUICO,como já disse em outro momento. ESTE TEMA RONDA SONHOS E PENSAMENTOS. AS CRIANÇAS PRECISAM FALAR DESTE ASSUNTO, SEM RESISTÊNCIA DOS ADULTOS, PARA ALIVIAR SEUS CORAÇÕES INFANTIS, QUE AINDA PULSAM EM NOSSOS DITOS  "ADULTOS" CORAÇÕES.

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MORTE X IDADE
Falei hoje para uma menina que fez 4 anos: _"Sabia que quem fez 4 anos , já começou o quinto ano?" Ela imediatamente me respondeu: _" NÃO, NÃO!!! VAI MORRER."

O que ela quis dizer é que se ficarmos velhos podemos morrer. E ter 5 anos para ela é ser  muito mais velha do que já é, colada na morte. Quanta angústia vive uma criança...


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DESEJO DA IMORTALIDADE
Este é um dos temas principais na pediatria. Deparar-se com o real da morte é de grande complexidade. Ficam fantasiando mil estratégias para impedí-la. Desejam que não aconteça, sabendo já de antemão, dessa verdade incontestável.
Muitas vezes lhes dou chance de fazerem desejos para a Fada Azul, uma personagem fantoche que trabalha comigo. ELA VAI PARA CASA DELES- EM MOMENTOS DIFÍCEIS- ACOMPANHA  AS CRIANÇAS EM CIRURGIAS- e outras necessidades e- é muito comum, eles pedirem a ela QUE SEJAM IMORTAIS.


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